OTELO Última Semana



(...) Otelo é uma tragédia, mas insere na tragédia as formas da comédia. Há quem assinale as semelhanças de certas personagens com caracteres da Commedia dell’Arte italiana, e não há dúvida de que a primeira cena do primeiro acto faz lembrar as facécias de Arlequim (Iago) e do Enamorado (Rodrigo) perante Pantaleão (Bragâncio), fatalmente cómico ao aparecer na sua varanda em camisa de noite. Para manter o paralelismo, Otelo seria o Capitano ou Matamouros, mas logo aí se desfaz a semelhança, pois, na Commedia dell’Arte, a personagem do Capitano é a de um fanfarrão que em longas tiradas se vangloria dos seus altos feitos de armas, quando é um cobarde, por natureza. Otelo alude às suas aventuras numa longa tirada, mas o relato que faz aos senadores é exactamente o contrário do que se esperaria de um fanfarrão, de um Matamouros (numa vertiginosa espiral, Iago é também o nome de Santiago, o Matamouros espanhol e o Capitão da Commedia dell’Arte é a caricatura de um soldado espanhol). Tal como sabe fazer vibrar as palavras e as frases da língua, fazendo cintilar todas as suas possibilidades expressivas (os seus diferentes significados e sentidos), Shakespeare sabe incorporar na sua trama teatral os muitos recursos da arte dramática do seu tempo, mas, por isso mesmo, ao absorver e transfigurar tudo isso, renovar lhe o sentido, o efeito que provoca no espectador.(...)

Sobre a Tradução - Manuel Resende